Nenhum povo do mundo antigo contribuiu tanto para a riqueza e a compreensão da Política, no seu sentido mais amplo, como o fizeram os gregos de outrora. Os nomes de Sócrates, Platão e Aristóteles, no campo da teoria, de Péricles e de Demóstenes na arte da oratória, estão presentes em qualquer estudo erudito que se faça a respeito e mesmo nos mais singelos manuais de divulgação.
Entendiam-na - a política - como uma ciência superior, determinante de qualquer organização social e com inquestionáveis reflexos sobre a vida dos indivíduos. Para Aristóteles era a arte de governar a cidade-estado (pólis). Por não conviverem com estados-nacionais, mas sim com organizações menores, as cidades, para os gregos, tornaram-se o objeto da sua maior atenção. Como nenhum outro povo, interessaram-se pela administração da coisa pública,
As origens da democracia
A constituição democrática
Com poderes delegados pelo povo como nomotheta, Clístenes implementou uma profunda reforma política que tinha como objetivo deslocar o poder das mãos dos nobres para as dos demos, palavra que significava não apenas povo, como também os bairros e comunidades habitados.
A antiga divisão política da cidade de Atenas estava baseada nas quatro tribos (filiai) formadoras originais da região, denominadas de guerreiros (Hoples), cultivadores (Geleôn), pastores (Aegicoros) e artesãos (Argadês), todas filhas de um mítico antepassado, Ion (daí vem a palavra jônico, que denomina o povo que habitava Atenas e as regiões vizinhas). Cada uma delas era chefiada por um patriarca, o filobasileus, que mantinha uma relação de domínio sobre seus integrantes, favorecia os membros da nobreza, os quais integravam o sistema das tribos e exerciam sua autoridade baseada na tradição.
A crítica à democracia
A igualdade
Procurava-se, com o exercício direto da participação, tornar o público coisa privada. Sob o ponto de vista grego, o cidadão que se negasse a participar dos assuntos públicos, em nome da sua privacidade, era moralmente condenado. Criticavam-no por sua apatia ou idiotia. Quem precisava de muros para se proteger era a comunidade, não as casas dos indivíduos.
Instituições da democracia
O Conselho dos 500
Uma vez por ano, os demos sorteavam 50 cidadãos para se apresentarem no Conselho (Boulê) que governava a cidade em caráter permanente. Como eram 10 demos, ele denominava-se "Conselho dos 500". Entre estes 500 deputados eram sorteados 50 que formavam a pritania ou presidência do Conselho, responsável pela administração da cidade por 35 ou 36 dias. Cada demos era chamado, alternadamente, a responder pelos assuntos da pólis, durante um certo período. O Conselho determinava a pauta das discussões, bem como a convocação das assembléias gerais populares (a Ecclesia), que se realizavam duas vezes por semana.
A Ecclesia
A assembléia geral que reunia o povo inteiro não tinha um lugar fixo. A palavra ecclesia era utilizada para definir, genericamente, qualquer reunião para debater questões públicas, semelhante ao comício (comitiu) romano em sua forma original. Entretanto, em Atenas costumou-se fazer esses grandes encontros num lugar chamado Pnix, uma grande pedra que dominava uma colina, a qual comportava parte considerável dos cidadãos. Quando a ecclesia estava reunida, não só entravam na liça os problemas mais candentes da comunidade, como se escolhiam os magistrados eletivos. As funções executivas estavam divididas entre os magistrados sorteados e os escolhidos por voto popular. Eles eram responsáveis perante a ecclesia por todos os seus atos, podendo ser julgados por ela em caso de falta grave.
Os magistrados
As magistraturas eletivas concentravam maior prestígio. É o caso dos estrategos, que formavam uma espécie de estado-maior que reunia os comandantes militares que chefiavam os soldados de infantaria (hoplitas) em tempos de guerra. Cada estratego tinha que ser indicado (eleito diretamente) pelo seu demos e aprovado pela ecclesia. O comando supremo era entregue ao arconte-polemarco, chefe das forças armadas e virtual líder político da cidade. Explica-se a longa liderança de Péricles, por mais de 30 anos, de 460 a 429 a.C., como resultado de suas sucessivas reeleições para o cargo de estratego.
A segunda magistratura em importância era a dos juizes (arcontes) que formavam o Tribunal de Justiça (areópago), em número de nove. O título de rei (basileus), como já vimos, era mantido para o responsável pelo cerimonial religioso. A diferença entre as magistraturas escolhidas por sorteio das determinadas por voto é de que as primeiras não podiam ser reeleitas.
Os excluídos
Quem participava efetivamente da vida democrática da cidade de Atenas? Estimativas calculam que sua população, no apogeu da cidade, nos séculos V-IV a. C., dificilmente ultrapassava 400 mil habitantes [ 130 mil cidadãos (thètes), 120 mil estrangeiros (métoikion) e 120-130 mil escravos (andrapoda)]. A sociedade ateniense vivia em parte do trabalho dos escravos, sendo esses estrangeiros, visto que, desde os tempos das leis de Sólon (cerca de 594 a.C.), gregos não podiam escravizar gregos. Além dos escravos, tanto os públicos como os domésticos (oikétès) - ex-prisioneiros de guerra ou comprados nos mercados de escravos - excluídos da cidadania, contavam-se os estrangeiros (métoikion) e seus filhos, que igualmente não eram considerados cidadãos. As mulheres, independentemente da sua classe social ou origem familiar, encontravam-se afastadas da vida política. A grande parte da população, dessa forma, não participava dos destinos públicos, estimando-se que os direitos de cidadania estavam à disposição, no máximo, de 30-40 mil homens, mais ou menos um décimo da população total.
O ostracismo
Apogeu e crise da democracia
Como qualquer outro regime político, a democracia ateniense foi testada pelas guerras. Por duas vezes os gregos estiveram ameaçados de perder sua liberdade. A primeira deu-se quando uma expedição naval dos persas tentou desembarcar nas praias de Maratona, sendo derrotada pelo general ateniense Milcíades, em 490 a.C., e a segunda, quando os persas invadiram a Grécia sob o comando do rei Xerxes, em 480 a.C., sendo novamente derrotados nas batalhas de Salamina e Platéias, desta vez por Temístocles. A vitória de Atenas projetou-a como líder das cidades gregas, formando-se então uma simaquia, ou liga federada entre as polis, denominada de Liga de Delos (formada em 478 a.C. e extinta em 404 a.C.). Durante o trintênio de Péricles, também considerado como o período do seu apogeu, aproveitou-se dessa liderança para lançar mão dos recursos financeiros da Liga para embelezar a cidade, restaurando então o célebre templo do Pártenon (em honra à deusa Atena Pártenos, a protetora) em mármore e ouro. Isso serviu de motivo para que as demais cidades integrantes da Liga de Delos se sentissem lesadas, situação que terminou sendo explorada por Esparta, que liderou uma confederação contra os atenienses, levando-os a uma guerra desastrosa: a Guerra do Peloponeso.
Elfíades e Péricles
Dois líderes do partido democrático se destacam naquela época de esplendor: Elfíades e Péricles. O primeiro conseguiu reduzir o poder do Areópago ateniense (espécie de senado vitalício e símbolo do poder dos aristocratas) e o outro introduziu o pagamento em forma de subsídio a todo cidadão pobre que participasse das tarefas políticas das cidades, denominado de mistoforia (o misthos ecclesiastikós). Dessa forma, os de origem humilde, podiam ter sua atividade garantida nas assembléias, bem como exercer algumas das magistraturas. Essa prática desagradou profundamente os nobres e os ricos. Sócrates, que não tinha simpatias pela democracia, lamentava que as assembléias estivessem tomadas por sapateiros, carpinteiros, ferreiros, tendeiros e até vendedores ambulantes, o que fazia com que as pessoas de bom gosto e fortuna se afastassem da vida pública, abandonando o campo da política nas mãos dos demagogos e dos sicofantas (delatores profissionais).
A guerra do Peloponeso
Mas a verdadeira causa do declínio das instituições democráticas foi, como vimos, resultado da derrota ateniense, perante as forças espartanas na longa Guerra do Peloponeso (431 - 404 a.C.). A oligarquia tentou retomar o poder do meio do governo dos "Trinta tiranos", em 404-403 a.C., mas uma rebelião pró-democracia conseguiu restabelecê-la. Em 338 a.C. os atenienses sofreram um novo revés, dessa vez perante as forças do rei da Macedônia, Felipe II, e seu filho Alexandre, na batalha de Queronéia, fazendo com que a cidade terminasse por ser governada pelos sucessores (diádocos) macedônicos. Seu eclipse final ocorreu durante o domínio romano, quando a Grécia inteira se torna uma província do Império, a partir de 146 a.C.
O mito das virtudes democráticas
Platão, num dos seus diálogos, o Protágoras, ou os Sofistas, reproduz o seguinte mito, narrado pelo filósofo Protágoras a Sócrates, que duvidava ser a política uma atividade ao alcance de todos:
"O homem, ao participar das qualidades divinas (a sabedoria das artes úteis e o domínio do fogo), foi primeiramente o único animal que honrou os deuses e se dedicou a construir altares e imagens das deidades: teve, além disso, a arte de emitir sons e palavras articuladas, inventou as habitações, os vestidos, o calçado, os meios de abrigar-se e os alimentos que nascem da terra. Apetrechados dessa maneira para a vida, os seres humanos viviam dispersos, sem que existisse nenhuma cidade; assim, pois, eram destruídos pelos animais, que sempre, em todas as partes, eram mais fortes do que eles, e seu engenho, suficiente para alimentá-los, seguia sendo impotente para a guerra contra os animais; a causa disso residia em que não possuíam a arte da política (Politike techne), da qual a arte da guerra é uma parte. Buscaram, pois, uma maneira de reunir-se e de fundar cidades para defender-se. Mas, uma vez reunidos, feriam-se mutuamente, por carecer da arte da política, de forma que começaram de novo a dispersar-se e a morrer.
Zeus lhes envia o pudor e a justiça
Então Zeus, preocupado ao ver nossa espécie ameaçada de desaparecimento, mandou Hermes trazer para os homens o pudor e a justiça (aidós e dikê), para que nas cidades houvesse harmonia e laços criadores de amizade. Hermes, pois, perguntou a Zeus de que maneira deveria dar aos humanos o pudor e a justiça: "Deverei distribuí-los como as demais artes? Estas se encontram distribuídas da seguinte forma: um só médico é suficiente para muitos profanos, o mesmo ocorre com os demais artesãos. Será essa a maneira pela qual deverei implantar a justiça e o pudor entre os humanos ou deverei distribuí-los entre todos?" "Entre todos", disse Zeus, que cada um tenha a sua parte nessas virtudes, já que se somente alguns as tivessem, as cidades não poderiam subsistir, pois neste caso não ocorre como nas demais artes; além disso, estabelecerás em meu nome esta lei, a saber: que todo homem incapaz de ter parte na justiça e no pudor deve ser condenado à morte, como uma praga da cidade." (PLATÃO "Protágoras ou os Sofistas" In: Obras Completas. Madri: Aguilar, 1974, pp. 168/9.)
Postado por: Edcleia Lopes de Carvalho
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